«A regra prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, restringe o acesso geral de recurso ao STJ às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência».
Publicação: Diário da República n.º 225/2023, Série I de 2023-11-21, páginas 11 - 28
Emissor: Supremo Tribunal de Justiça
Data de Publicação: 2023-11-21
TEXTO
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2023
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PROCESSO N.º 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1-A
I - A) Nos presentes autos, por apenso ao processo de insolvência n.º 3125/11.3TJCBR, JAKAMORA - Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda., intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, a qual denominou de "acção de impugnação de resolução de acto jurídico", contra:
Massa Insolvente de João Luís de Azevedo Monteiro.
Pedindo que:
- Seja considerada válida a compra e venda cuja resolução foi levada a cabo pela Administradora de Insolvência/AI.
Para tanto alegou que:
- Em 13-11-2007, foi notificada pela A.I. da resolução do contrato de compra e venda celebrado, em 11-11-2010, entre a ora autora e AA, relativa ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de..., sob o n.º 460, da freguesia de... e inscrito, na respectiva matriz predial, sob o art.1.
- Os factos invocados para sustentar essa resolução não correspondem à verdade, pois o insolvente, à data, não estava em insolvência iminente, a venda não dificultou a satisfação dos credores e do contrato não resultaram para as partes obrigações desproporcionadas.
- A massa insolvente apresentou contestação, na qual invocou os fundamentos da resolução e que o negócio foi simulado.
B) Igualmente, AA, por apenso à referida insolvência, instaurou acção declarativa sob a forma ordinária que denominou de "acção de impugnação de resolução de acto", contra:
A Massa Insolvente de João Luís de Azevedo Monteiro.
Peticionando que:
- Seja declarada inválida e ineficaz a declaração de resolução da compra e venda que celebrou com a sobredita A. operada pela A.I..
Em suma, sustentou que:
- À data do negócio não conhecia o vendedor, que pagou efectivamente o preço, por transferência bancária, o imóvel estava em estado de degradação e abandono, desconhecia o negócio celebrado entre o insolvente, a sua mulher e a autora Jakamora, não tendo o negócio causado qualquer prejuízo à massa insolvente.
II - A Massa Insolvente apresentou contestação, na qual invocou os fundamentos da resolução, que se tratou de um negócio simulado e que este autor conhecia todos os intervenientes, sendo amigo do insolvente e sua família.
III - Por despacho de fls. 151 a 153 foi determinada a apensação da acção instaurada por AA à acção instaurada por Jakamora.
IV - Saneados os autos foi seleccionada a matéria de facto relevante para a instrução da causa.
V - Efectuado o julgamento da causa foi proferida sentença que julgou improcedentes ambas acções e absolveu a massa insolvente dos pedidos.
VI - Os autores/AA. apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido rejeitado o recurso interposto por AA, com igual improcedência da reclamação.
VII - O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 21-01-2014, julgou o recurso procedente com o seguinte dispositivo: - "revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, também se acorda em julgar procedente a presente acção de impugnação, dando-se sem efeito as referidas declarações de resolução de acto jurídico - factos supra n.º/s 11 e 13."
VIII - A Massa Insolvente de João Luís de Azevedo Monteiro apresentou revista, tendo este tribunal, por acórdão datado de 17-06-2014, concedido a revista, com o seguinte segmento decisório:
a) "em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, para ficar a subsistir, integralmente, a sentença proferida na 1.ª instância."
b) Para o que ora releva, mais ficou consignado nesse acórdão, relativamente à admissibilidade da revista, que: "o recurso era admissível nos termos do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, pois estávamos perante duas acções de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente instauradas e processadas por apenso ao respectivo processo de insolvência, sendo o único apenso previsto naquele normativo de limitação ao acesso ao STJ os embargos opostos à sentença declaratória de insolvência e bem assim o próprio processo de insolvência."
IX - Após trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, veio a A. Jakamora INTERPOR RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 688.º e ss. do Código de Processo Civil (doravante CPC), por entender que aqui e no acórdão do STJ de 14-11-2013, prolatado no proc. n.º 22332/09.2T2SNT-ZV.L1.S1, relativamente à mesma questão fundamental de Direito e no domínio da mesma legislação, foram perfilhadas soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito, que é a de saber se o disposto no artigo 14.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [...] é aplicável a todo o processo de insolvência, incluindo todos os incidentes que por apenso àquele correm ou se é aplicável apenas à declaração de insolvência e portanto ao processo de insolvência stricto sensu.
Para tanto, a A. apresentou as suas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
l.ª No Acórdão da 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2014, ora recorrido, decidiu-se pela admissibilidade de Recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito de um incidente de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente apensado a processo de insolvência.
2.ª A douta decisão considerou o recurso admissível nos termos gerais, independentemente de pretensa oposição de acórdãos, por considerar que a norma do n.º 1 do artigo 14.º do CIRE apenas limita o terceiro grau de jurisdição quando se trata de apreciar a situação de insolvência.
3.ª Fundamentou esta posição atendendo essencialmente ao elemento literal da referida norma.
4.ª No entanto, em Acórdão de 14.11.2013, do mesmo Tribunal, entenderam os Venerandos Conselheiros da 2.ª Secção Cível ser de recusar a Revista em decisão de Tribunal da Relação em processo de insolvência, em situações em que não seja alegada e provada a existência da necessária contradição jurisprudencial relativamente à questão que foi apreciada no acórdão recorrido.
5.ª A douta decisão afirma que é minoritária a tese segundo a qual o art. 14.º, n.º 1, do CIRE apenas é aplicável aos recursos interpostos no processo de insolvência stricto sensu e nos embargos à sentença de declaração de insolvência, excluindo as decisões proferidas em quaisquer processos ou fases processuais tramitadas por apenso, tendo sido contrariada por várias decisões daquele Tribunal.
6.ª Refere que o elemento de interpretação propugnado pelo recorrente é o literal, cujo relevo absoluto é, diminuto e que, além disso, em termos relativos, é ultrapassado, com larga margem, pelos elementos de ordem sistemática e racional;
7.ª Relembra o supra citado Acórdão que à fragilidade do elemento literal acresce que, referindo-se a lei aos recursos no processo de insolvência, deixa subentendida uma amplitude bem maior do que a que existiria se acaso se referisse apenas aos recursos interpostos da sentença de declaração de insolvência, modo pelo qual demonstraria inequívoca intenção de restringir o âmbito de aplicação.
8.ª Conclui o douto Acórdão que o elemento racional ou teleológico é forte argumento no sentido de impedir que se extraia do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, o resultado pretendido pela recorrente, porquanto: É consabida a finalidade prosseguida pelo legislador quando restringe o direito ao recurso (...) o legislador transpôs aquilo que, já na ocasião em que foi aprovado o CIRE, estava previsto para os agravos e que, além disso, também já estava previsto em diplomas avulsos que regulam designadamente as expropriações e os registos civil, predial, comercial e de firmas ou os direitos de propriedade industrial (...) concluindo que não é, pois, de estranhar que, relativamente a uma matéria tão sensível como a da declaração de insolvência e liquidação do activo e do passivo do devedor, o legislador tenha intervindo no sentido de limitar o 3.º grau de jurisdição, abreviando a resolução das diversas questões que podem suscitar-se relativamente à questão fundamental - declaração de insolvência - e às questões que da mesma ficam dependentes. (...) Assim se compreende a restrição ao terceiro grau de jurisdição quando se trata de apreciar a situação de insolvência (mediante a impugnação da sentença por recurso ou intermediada pelos embargos), o que igualmente se estende à verificação do universo de credores e liquidação da universalidade de bens que integram a massa insolvente.
9.ª Fundamenta ainda que não se descortina razão válida para o legislador limitar a um grau de recurso a decisão de insolvência e permitir dois graus de recurso em questões incidentais ao mesmo processo, em que estão em causa aspectos menos relevantes do que o decretamento de uma insolvência.
10.ª Decide a final que se impõe a rejeição do recurso de revista, uma vez que o recorrente não alegou nem demonstrou a existência da necessária contradição jurisprudencial relativamente à questão que foi apreciada no acórdão recorrido.
11.ª No Acórdão fundamento entende-se, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido, que, por imposição do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do CIRE, deverá rejeitar-se o recurso de revista quando não se alegue e prove a necessária contradição jurisprudencial relativamente à questão de direito apreciada no recurso sem distinção entre decisão relativa à declaração de insolvência ou a outras questões com ela conexas e processadas por apenso.
12.ª Os recorrentes apoiam a tese e defendem a solução dada ao caso pelo Acórdão fundamento.
13.ª Não sendo alegada e provada a excepção prevista na segunda parte do referido artigo não pode ser admitida Revista.
14.ª Quis o legislador limitar o recurso de revista não apenas à declaração de insolvência, mas a todos os seus incidentes e demais acções dependentes dessa declaração e reguladas no CIRE.
15.ª A limitação das possibilidades de recurso justifica-se pela necessidade de garantir a celeridade num processo de natureza urgente como é o processo de insolvência; objectivo esse que apenas se alcança se essa limitação se estender a todos os incidentes conexos com o processo de insolvência.
16.ª Mal se compreenderia que o legislador limitasse a sindicância da própria declaração de insolvência em prol da celeridade, mas tivesse entendimento diferente no que respeita aos incidentes apensos à insolvência stricto sensu.
17.ª Face à demonstrada existência de soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito deverá ser proferido Acórdão para Uniformização de Jurisprudência.
18.ª Por todo o exposto tal Acórdão Uniformizador deverá seguir a orientação de que por imposição do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do CIRE, deverá rejeitar-se o recurso de revista quando não se alegue e prove a necessária contradição jurisprudencial relativamente à questão de direito apreciada no acórdão do Tribunal da Relação de que se pretende recorrer, sem que, para o efeito, se faça distinção entre decisão relativa à declaração de insolvência ou a outras questões com ela conexas e processadas por apenso.
- Não houve contra-alegações.
X - Foi proferido despacho liminar de admissão, pelo Senhor Conselheiro relator, no qual considerou existir contradição entre o acórdão recorrido, o acórdão do STJ, proferido em 17-06-2014, já transitado, nos autos principais destes autos, 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1, e o acórdão do STJ, proferido em 14-11-2013, já transitado, no proc. n.º 22332/09.2T2SNT-ZV.L1.S1 (acórdão fundamento), nos seguintes termos:
- No acórdão recorrido perfilhou-se o entendimento de que a limitação do recurso para o STJ, prescrita no art. 14.º, n.º l do CIRE, abrange apenas o processo de insolvência e os embargos opostos à sentença declaratória de insolvência, constituindo estes embargos apenas um dos vários apensos possíveis do processo de insolvência. Em consequência do que foi decidido admitir o recurso de revista interposto de acórdão da Relação de Coimbra proferido em apelação interposta de sentença proferida em acção de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente, sem que fosse demonstrada pela recorrente a oposição mencionada no sobredito art 14.º, assim se rejeitando a correspondente questão prévia suscitada pela recorrida e, ora, recorrente.
- Em contrapartida, no acórdão fundamento foi (como consta do respectivo sumário) perfilhado o entendimento de que "na reclamação superveniente de créditos sobre a massa insolvente, tramitada por apenso ao processo principal em que foi declarada a situação de insolvência, a admissibilidade do recurso de revista está sujeita também ao regime prescrito pelo art. 14.º, do CIRE". Ou seja, foi decidido que a demonstração da oposição mencionada em tal preceito legal é de exigibilidade não restrita aos processos referenciados no acórdão recorrido, mas, antes, de exigir também em todos os demais recursos de revista emergentes ou dimanados do processo de insolvência.
- É, pois, manifesta e frontal a contradição que os dois arestos, proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito - conquanto de natureza exclusivamente adjectiva, mas com directa repercussão na solução/decisão dos conflitos privados trazidos a Juízo pelas partes -, entre si encerram.
XI - O MINISTÉRIO PÚBLICO EMITIU O COMPETENTE PARECER CONCLUINDO DA SEGUINTE MANEIRA:
"Face ao exposto, emite-se parecer no sentido de que o conflito jurisprudencial em causa deverá ser resolvido através da emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual se sugere a seguinte formulação: O disposto no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, restringe a admissibilidade de recurso de revista às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência, excluindo as decisões proferidas em quaisquer dos restantes processos ou incidentes que constituam apensos daquele".
XII - ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Verificados os pressupostos de admissibilidade formal do presente recurso extraordinário, impõe-se agora averiguar se existe, ou não, contradição de julgados, porquanto o Pleno das Secções Cíveis pode divergir do entendimento constante do despacho liminar - cf. art. 692.º, n.º 3 e 4, do CPC(1) - em sentido diverso do acórdão da conferência, que decide pela verificação dos pressupostos materiais e formais da admissão do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, então podemos entender, por maioria de razão, que o Pleno, também, pode divergir do entendimento acolhido pelo relator no despacho a que alude o n.º 1 do mesmo preceito.
O art. 688.º, n.º 1, do CPC, preceitua o seguinte: as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
São, assim, pressupostos para a admissibilidade do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência(2): - a contradição do acórdão recorrido com algum acórdão do STJ que tenha sido proferido anteriormente, denominado de acórdão fundamento; - o acórdão recorrido e o acórdão fundamento tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação e; - os dois acórdãos se analisem a mesma questão fundamental de direito.
Conforme decidido no Ac. do do STJ de 12-01-2021, Revista n.º 20714/13.4YYLSB-B.L1.S1-A(3), relatado pela Conselheira Maria João Vaz Tomé, tem sido entendido de forma uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, "a questão fundamental de direito em que repousa a alegada contradição deve assumir carácter fundamental para a solução do caso, devendo integrar a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto".
Caso consideremos que nos dois arestos está em causa a mesma questão fundamental de direito, tendo sido tratada como questão essencial em ambos os acórdãos, e não de forma meramente lateral ou implícita, e sendo decisiva para os desfechos dos litígios em causa, deverá o presente recurso ser admitido e prosseguir para um juízo uniformizador.
Verificados que estão os pressupostos de admissibilidade formal do presente recurso extraordinário - vide, certificado do despacho de admissão liminar - impõe-se, agora, averiguar se existe ou não contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Caso se considere, como no despacho liminar de admissão, que está em causa a mesma questão fundamental de direito, tratada como questão essencial em ambos os acórdãos, e que se verifica uma situação de oposição, a qual não é apenas implícita ou lateral, mas antes constitui uma divergência decisiva para o resultado quer do acórdão recorrido quer do acórdão fundamento, deverão os autos prosseguir para efeitos de emissão de um juízo uniformizador.
Se, pelo contrário, se entender que inexiste contradição, por se verificar divergência quanto à matéria de facto, ou seja, a inexistência de identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto, ou mesmo quanto à questão de direito fundamental, deverá considerar-se que não estão reunidos os pressupostos para a uniformização de jurisprudência.
In casu, os três supra referidos requisitos estão preenchidos.
A propósito da interpretação do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, e sobre a mesma questão fundamental de direito - a regra de admissibilidade do recurso de revista prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, tem aplicação a todos as acções declarativas apensas ao processo de insolvência ou tão só ao processo de insolvência e aos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência - no acórdão recorrido e no acórdão fundamento foram alcançadas decisões opostas e contraditórias.
No acórdão fundamento a única questão tratada, foi a questão da admissibilidade do recurso de revista, à luz do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, no âmbito de um acção de verificação e graduação de créditos, cf. arts. 128.º e ss. do CIRE. Aqui entendeu-se que a revista não era admissível, pois não foi invocada qualquer contradição entre o acórdão recorrido e um acórdão das Relações ou do STJ, uma vez que a restrição prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, abrange não só o processo de insolvência e os embargos à sentença declaratória de insolvência, mas também outras acções declarativas que corram por apenso ao processo de insolvência.
Por outro lado, no acórdão recorrido foi, igualmente, analisada a questão da admissibilidade do recurso de revista, nos termos do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, mas no âmbito de uma acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente. Aqui, foi entendido que a revista era admissível, sem necessidade de ser invocada a referida contradição de acórdãos porquanto o apenso em questão é referido no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, e são tão somente estes, o processo de insolvência e os embargos à sentença declaratória da insolvência que impõe essa condição de restrição à recorribilidade ao 3.º grau.
É verdade que estamos perante diferentes acções apensas ao processo de insolvência num e noutro processo. No acórdão recorrido estamos perante uma acção impugnação da resolução em benefício da massa insolvente e no acórdão fundamento perante uma acção de verificação e reclamação de créditos.
Entendemos, porém, que a diferente natureza destas acções apensas não impede a contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, porque o que foi interpretado quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, foi a amplitude da restrição de recorribilidade ao 3.º grau prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE.
A questão passa por saber se restrição de recorribilidade prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, abrange, para além do próprio processo de insolvência e dos embargos à insolvência, as demais acções declarativas apensas ao processo de insolvência.
Tanto assim é, que, ao passo que, o acórdão recorrido limita esta restrição de recorribilidade ao processo de insolvência e aos embargos opostos à sentença declaratória de insolvência; por seu lado, o acórdão fundamento, entre outros, por motivos de celeridade processual, considera que este normativo abrange, para além das acções interpostas ao abrigo do art. 146.º do CIRE, as acções que, sendo interpostas ao abrigo do art. 146.º, visem a verificação ulterior de créditos ou outros direitos e que também correm por apenso ao processo de insolvência propriamente dito (art. 148.º). E prosseguindo a fundamentação cita o Ac. do STJ de 29-03-2012, Revista n.º 7266/07.3TBLRA-E.C1.S1, no âmbito de uma acção de resolução em benefício da massa insolvente, no qual também se decidiu que o acórdão de revista depende da demonstração da existência de oposição de julgados.
Num e noutro acórdão foram alcançadas diferentes soluções jurídicas, pois estamos perante acções declarativas apensas ao processo de insolvência, que não constam expressamente do elenco nominativo do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, sendo que o acórdão recorrido entendeu que a restrição de recorribilidade prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE não lhe era aplicável, ao passo que no acórdão fundamento considerou-se que essa restrição deve aplicar-se aos processos apensos ao processo de insolvência, ainda que não estejam aí expressamente referidos.
Impõe-se, assim, aferir qual o âmbito da restrição de recorribilidade previsto no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, em face das decisões opostas que resultaram da interpretação deste normativo.
Em face deste quadro factual e normativo, e tal qual decidido no despacho liminar, entendemos ser o presente recurso para uniformização de jurisprudência admissível, nos termos do art. 688.º, n.º 1, do CPC.
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