«Nos termos dos n.os 1 e 2, do art. 449.º, do Código de Processo Penal, não é admissível recurso extraordinário de revisão do despacho que revoga a suspensão de execução da pena.»
Publicação: Diário da República n.º 24/2024, Série I de 2024-02-02, páginas 31 - 50
Emissor: Supremo Tribunal de Justiça
Data de Publicação: 2024-02-02
TEXTO
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2024
Acórdão de Uniformização de Fixação de jurisprudência
Processo n.º 12/09.9IDVRL-C
Acordam, em conferência, no Pleno das secções criminais:
I. Relatório
1 - O arguido AA veio, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 437.º n.os 2, 3, 4 e 5 e 438.º n.os 1 e 2, do C.P.P., interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de abril de 2022, que julgou improcedente o seu recurso de revisão.
Invoca, como acórdão fundamento, o proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 31.01.2019, no âmbito do processo n.º 516/09.3GEALR-A.S1.
Alega o arguido, em conclusões: (transcrição)
"1 - No âmbito dos presentes autos, por douto despacho judicial da Mma. Senhora Juiz do Juízo Local Criminal do Peso da Régua - Juiz 1, confirmado por Acórdão da Relação de Guimarães, foi determinada a revogação da suspensão da pena de prisão de 4 anos e 6 meses de prisão em que foi condenado.
2 - O arguido interpôs recurso excepcional de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal.
3 - Por douto Acórdão deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 6 de abril de 2022, transitado em julgado a 28 de abril de 2022, foi aquele recurso de revisão rejeitado, negando a revisão, porquanto aí se concluiu que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente não põe fim ao processo, antes abre a fase de execução da pena de prisão em que foi condenado, e em consequência não é passível de recurso de revisão.
4 - Em sentido contrário (doravante o "Acórdão fundamento"), foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 31.01.2019, no âmbito do processo n.º 516/09.3GEALR-A.S1 e está disponível em:
5 - Neste aresto, contrariamente ao que se entendeu ao proferido no âmbito dos presentes autos, entendeu o Colendo Supremo Tribunal de Justiça nomeadamente que "o despacho que revoga a pena de substituição de suspensão de execução da pena (principal) é susceptível de recurso de revisão".
6 - Afigura-se assim existir uma identidade da questão de direito, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, que é a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade de revisão do despacho que revoga a suspensão da execução da pena.
7 - Sendo patente a existência de conflito de jurisprudência sobre a mesma questão de direito, aliás, sobre a qual, como os próprios Colendos Senhores Juízes Conselheiros, "não se pode dizer que haja unanimidade na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça quanto a esta questão, já que se suscitam duas doutas correntes distintas relativamente à admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão de um tal despacho".
8 - Quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação - artigos 449.º n.º 2 97.º, ambos do Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08.
9 - Estamos perante uma clara contradição de julgados que justifica a uniformização de jurisprudência.
10 - Deve ser uniformizada jurisprudência no sentido de que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, é equiparado a uma decisão final, e como tal é susceptível de recurso de revisão."
2 - Notificados para os efeitos dos n.os 1 e 2 do art. 442.º do CPP, apresentaram alegações o recorrente e o Ministério Público.
3 - O Recorrente AA juntou alegações, extraindo as seguintes conclusões: (transcrição)
"1. A questão em crise é conhecer da admissibilidade do recurso de revisão de despacho revogatório de suspensão da execução de pena de prisão, previsto pelo artigo 449.º do CPP, com fundamento legal na sua alínea d) do n.º 1 e no seu n.º 2.
2 - Entende o arguido que, deve ser uniformizada jurisprudência no sentido de que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, é equiparado a uma decisão final, e como tal é suscetível de recurso de revisão.
Porquanto,
3 - O despacho de revogação de suspensão da pena de prisão, ao findar a pena de substituição, efetivando a execução da mesma, faz parte integrante da decisão condenatória.
4 - E, consequentemente, põe termo ao processo, cessando a relação jurídico-processual.
5 - Bem como, por apreciar factos novos, derivados de ações ou omissões do arguido, o despacho formula um juízo autónomo que culmina na revogação da pena suspensa, devendo ser equiparado a sentença o efeito do disposto no n.º 2 do artigo 449.º do CPP.
6 - A decisão de revogação da suspensão da pena repercute-se de modo definitivo e gravoso, implicando uma privação da liberdade do condenado. E, por se tratar de restrição a um direito fundamental, deve ser concedido ao cidadão o direito à revisão do despacho, de modo a concretizar o fim último do processo penal, designadamente a realização da justiça (artigo 29.º/n.º 6 da CRP).
7 - Só a interpretação que permita ao arguido a revisão, respeita as garantias de defesa constitucionalmente protegidas pelo artigo 32.º/n.º 1 da Constituição, nas quais se traduz o direito a recurso.
8 - Entendimento contrário ao que se sufraga desrespeitaria os artigos 29.º/n.º 2 e 32.º/n.º 2 da Constituição e 55.º/n.º 2 e 56.º/n.º 1 do CP.
9 - O Tribunal Constitucional, seguindo esta mesma linha de raciocínio, proferiu o Acórdão n.º 422/2005, no qual é manifesto um paralelismo entre sentença e despacho de revogação de suspensão da execução da pena. Concretamente, e citando o referido acórdão, "[...] o texto da lei [...] ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena".
10 - O despacho de revogação integra-se na decisão final, impondo a obrigatoriedade de cumprimento de pena de prisão, previamente, determinada, por violação dos deveres ou regras de conduta a que o Juiz sujeitara o arguido.
11 - Assim, surge enquanto complemento da sentença, em si, alterando o próprio conteúdo decisório e "tendo como efeito direto a privação da liberdade do condenado". Assemelhando-se, por isso, as suas consequências às de sentença condenatória.
12 - Por conseguinte, o despacho de revogação não se circunscreve a uma mera "execução" da pena anteriormente cominada, apreciando e analisando, através do recurso a um juízo de ponderação, "factos novos entretanto surgidos e que põem em causa a suspensão (condicional) da pena de prisão".
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente proferindo este Colendo Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão uniformizando jurisprudência no sentido de que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena é suscetível de recurso de revisão, fazendo-se assim a habitual e necessária JUSTIÇA".
4 - Neste Tribunal, a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta apresentou alegações, concluindo: (transcrição)
"1 - Somente se admite o recurso extraordinário de revisão quando o Supremo Tribunal se depara com um caso de condenação enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu, no artigo 449.º n.º 1 alíneas a) a g) do CPP.
2 - Resulta ainda do artigo 449.º n.º 1 e n.º 2 do CPP que só é admissível recurso de revisão da sentença transitada em julgado e do despacho que tiver posto fim ao processo
3 - O despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não se enquadra no âmbito da expressão «despacho" que tiver posto fim ao processo", já que, unicamente dá sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão, como aliás decorre do disposto no n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal, no qual se estabelece que a revogação da suspensão da execução da pena "determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença".
4 - De facto, o despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídico-processual por razões substantivas ou adjectivas, isto é, é o que tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito, obstando ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto.
5 - São actos decisórios que afirmam a cessação da relação processual por uma forma diversa e alternativa à sentença, ou seja, actos decisórios que obstam ao prosseguimento do processo até à sentença.
6 - Não colhe a tese dos que defendem a admissibilidade do recurso de revisão do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão alegando que não pode deixar de se considerar que ele se integra na decisão final, dando efectividade à condenação e, nessa medida, consideram que põe termo ao processo, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, já que isso seria admitir que a sentença condenatória precisaria de um despacho posterior para ficar completa.
7 - Afigura-se-nos que a posição sufragada no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2010, proferido em 15 de Abril de 2010, quando se refere que o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão é complementar da sentença condenação, não pode ser entendida no sentido que este despacho admite recurso de revisão, mas sim, que este despacho depende da prévia condenação do arguido em pena de prisão suspensa na sua execução, já que, sem essa prévia sentença/ acórdão condenatório, que determina a suspensão da execução da pena da prisão, nunca poderia ter lugar, (e como é consabido nem sempre tem), o despacho que revoga a referida suspensão da execução da pena de prisão e, nessa medida não deixa de ser complementar.
8 - Um outro argumento que se nos afigura preponderante para a tese que defendemos prende-se com o objecto do recurso extraordinário de revisão (apreciar a Justiça da condenação).
9 - A lógica subjacente ao recurso de revisão é existir uma dúvida quanto à culpabilidade. Uma vez que uma decisão que transita em julgado põe fim a um estado de «dúvida» que existia sobre a culpabilidade, alcançando um valor de indiscutibilidade acerca da questão decidida: a decisão proferida passa a regular as relações entre o cidadão julgado e o Estado e entre aquele e os restantes cidadãos, impedindo uma nova apreciação do mesmo «objecto» processual.
10 - E por isso entendemos que, mesmo que se considerasse que o despacho de revogação da suspensão da execução pena ainda integrasse a sentença (o que não sucede) ou que se tratasse de uma decisão que põe termo ao processo (o que também não se verifica), sempre ficaria por preencher a condição de poder constituir materialmente fundamento de revisão já que não seria a justiça da condenação que seria analisada no recurso de revisão mas sim a justiça e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena, ou seja, estaríamos a permitir que nestes casos, que o recurso de revisão servisse para conhecer de questões que deveriam ser objecto de recurso ordinário e não do recurso extraordinário de revisão.
11 - Para além do que, atendendo ao disposto nos artigos 56.º do C.P e 449.º n.º 1 alínea d) do CPP, mesmo que se considerasse que os restantes pressupostos que permitissem o recurso de revisão se encontravam reunidos (fazer o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão parte da sentença estando por isso perante uma decisão que põe termo ao processo), nunca estaríamos perante novos factos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitassem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, estaríamos perante um recurso de revisão votado ao fracasso, já que não preencheria estes pressupostos.
12 - É verdade que a revogação da suspensão da execução da pena tem consequências gravosas para o arguido, mas por esse motivo o legislador criou os meios a que um arguido diligente e responsável pode socorrer-se, mas não se pode considerar que o legislador tenha querido que também nestes casos, o arguido possa lançar mão do recurso de revisão.
Face ao exposto, propõe-se, que o conflito de jurisprudência existente, seja resolvido nos seguintes termos:
- Do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão não é admissível recurso de revisão nos termos do disposto no artigo 449.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do C.P.P."
Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 443.º do CPP), cumprindo decidir.
II. Fundamentação
A. Da oposição de julgados; da questão de direito
1 - A decisão tomada na secção criminal, no acórdão de 21.09.2022, que afirmou a oposição de julgados, não vincula o pleno das secções criminais, pelo há que reexaminar a questão, ainda que sucintamente e usando as considerações do acórdão preliminar que se perfilham.
O acórdão recorrido foi proferido por este Tribunal, em 6 de abril de 2022, e transitou em julgado a 28 de abril de 2022. O acórdão fundamento, também do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.01.2019, transitou em julgado em 11.03.2019.
O recurso foi interposto pelo arguido, no dia 3 de novembro de 2017, dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, previsto no n.º 1 do artigo 438.º do CPP. Estão assim verificados os pressupostos formais do recurso, a que se referem os artigos 437.º, n.os 1, 2, 4 e 5, e 438.º, n.º 1, do CPP. O recorrente tem legitimidade, os acórdãos em conflito são ambos do Supremo Tribunal de Justiça, transitaram em julgado, não sendo admissível recurso ordinário do acórdão recorrido, e o recurso para fixação de jurisprudência foi interposto no prazo legal.
Cumpre, pois, verificar a oposição relevante.
Quanto à verificação dos pressupostos substanciais, fixemo-nos na decisão dos acórdãos em causa.
1.a. No que ora importa, é o seguinte o teor do acórdão: (transcrição)
"O citado art. 449.º, do CPP, consagra nas alíneas a) a g) do n.º 1, os casos em que é admissível a revisão, sendo o fundamento invocado pelo recorrente o previsto na alínea d), ou seja: «Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
Por seu turno n.º 2, do citado normativo consagra o seguinte:
«Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado o despacho que põe fim ao processo».
A decisão que conhece, a final, do objeto do processo é a que, apreciando uma acusação ou uma pronúncia, profere uma condenação ou uma absolvição.
Ou seja, «do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido, conforme o caso».
A propósito das decisões que não conheçam, a final, do objeto do processo, o AC do STJ de 10-09-2014, processo n.º 223/10.4SMPRT.P1.S1, Relator Sousa Fonte, afirma o seguinte:
«Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º que, por sua vez, na alínea c) do seu n.º 1, na versão saída da Reforma de 2007, deixada incólume, neste particular, pelas Reformas e alterações posteriormente introduzidas no mesmo Código pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro e pelas Leis 52/2008, de 28 de Agosto, 115/2009, de 12 de Outubro, 26/2010, de 30 de Agosto e 20/2013, de 21/2, decreta a irrecorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo.
[...] Relativamente ao despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, conforme salienta a Exmª PGA no seu Parecer, «Não se pode dizer que haja unanimidade na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça quanto a esta questão, já que se suscitam duas doutas correntes distintas relativamente à admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão de um tal despacho».
Contudo, e tal como temos vindo a entender, despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não é um despacho que põe fim ao processo.
Com efeito, e seguindo de perto o AC do STJ de 19DEZ2019, processo 66/13.3PTSTR-A.S1, Relator Francisco Caetano, citado pela Exmº PGA, «O despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídico-processual por razões substantivas ou adjectivas; é o que tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito; é o que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (artigo 338.º do CPP) ou a decisão sumária do relator. Já não o despacho que revogou a suspensão da execução da pena.
A matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação, o que por força da equiparação do n.º 2 do artigo 449.º, tem de perpassar também pelo despacho que põe fim ao processo, como decorre das alíns. b) e c) do n.º 1 do artigo 450.º do CPP, o que não acontece com o despacho revogatório da suspensão, onde desde logo não é a justiça da condenação decretada na sentença que é posta em causa, mas a justeza e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena.
Acresce que essa alín. c) só confere legitimidade ao arguido para a revisão quanto a sentenças condenatórias pelo que, obviamente não se tratando o despacho revogatório da suspensão de uma sentença (artigo 97.º, n.º 1, alín. a) do CPP), sempre o condenado carecerá de legitimidade para o recurso.
Finalmente, resulta do artigo 464.º do CPP que o Supremo "se conceder a revisão, declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga".
Quer dizer, o efeito útil da revisão traduz-se no prosseguimento do processo, pelo que o despacho susceptível de revisão há-de ser um despacho que antes tenha abortado o seu prosseguimento.
O que, de todo, não é o caso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena.
Conforme se conclui, no citado AC do STJ de 19DEZ2019, «O despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente decididamente não pôs fim ao processo, antes abriu a fase de execução da pena de prisão em que foi condenado, em consequência não podendo ser objeto de revisão (artigo 449.º, n.º 2, do CPP).
Assim sendo, uma vez que o despacho em causa, não conheceu do objeto do processo, pelo que não é passível de recurso de revisão."
1.b. Por sua vez, o acórdão fundamento conhece do recurso de revisão, julgando-o, a final, improcedente, por entender que a decisão de revogação da suspensão da pena tem a natureza de pôr termo ao processo:
"Em primeiro lugar, cumpre averiguar se o despacho que revoga a pena de substituição de suspensão de execução da pena (principal) de prisão é ou não suscetível de recurso de revisão, atento o disposto no art. 449.º, n.º 2, do CPP.
Temos considerado que sim, nomeadamente, por exemplo, no âmbito do processo n.º 587/09.2GBSSB-A.S1[1], através do acórdão prolatado a 17.03.2016, e onde a Relatora deste acórdão participou como juíza adjunta. Foram, então, os seguintes os argumentos invocados:
«De acordo com o que, sem divergências, tem constituído a jurisprudência deste Supremo Tribunal, despacho que põe fim, ou termo, ao processo é o que faz cessar a relação jurídico-processual, por razões substantivas (conhecimento do mérito da causa) ou meramente adjectivas.
Mas também é verdade que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, enquanto põe fim à pena de substituição em causa e efectiva a execução desta, além de não se limitar a dar mera sequência à decisão condenatória que, antes prolatada, suspendeu a pena de prisão aplicada, faz dela parte integrante.
Efectivamente, como se considerou no acórdão de 20.02.2013 deste Supremo Tribunal, prolatado no Processo n.º 2471/02.1TAVNG-B.S1, da 5.ª Secção, o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, mais do que dar sequência à "execução" da pena de prisão antes imposta, aprecia factos que, no entretanto chegados ao conhecimento do tribunal, põem em causa a suspensão condicional (porque disso, afinal, se trata) da referida pena de prisão, o que implica a formulação, por parte do mesmo, um juízo autónomo, fundado em determinado facto (v.g. o cometimento, pelo agente, de um crime durante o período de suspensão, que ponha em causa os fins que determinaram a imposição da referida pena de substituição) ou em certa omissão (v.g. o incumprimento, por parte do agente, das condições a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena) que, imputáveis ao condenado, hão-de ser apreciados em função da sua culpa.
Na realidade, mal se compreenderia que, face aos efeitos profundos, definitivos e sobremaneira gravosos que, relativamente à pena de substituição imposta na sentença condenatória, produz a decisão que a revogue [na sequência de uma fase destinada (artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) à recolha da prova, à obtenção do parecer do Ministério Público, à audição do condenado, na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão], esta não fizesse parte integrante da mesma sentença condenatória.
Daí, partilhar-se do entendimento de que o despacho que revogar a suspensão da execução da pena não pode deixar de integrar-se na decisão final, dando efectividade à condenação cuja execução ficou, por via da imposição da dita pena de substituição, condicionalmente suspensa.
E, nessa medida, pondo termo ao processo, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, não pode deixar de equiparar-se à sentença condenatória o despacho que revogue a suspensão da execução da pena de prisão.
Tanto assim que, como bem se repara no citado acórdão de 20.02.2013, embora a lei distinga o recurso interposto do despacho da sentença final condenatória [alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do Código de Processo Penal] e o recurso interposto do despacho que ordene a execução da pena de prisão, em caso de não cumprimento da pena não privativa de liberdade, este tem, como aquele, efeito suspensivo [artigo 408.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal], sobe imediatamente e nos próprios autos [artigos 406.º, n.º 1, e 407.º, n.º 2, do Código de Processo Pena], logo diferentemente do que sucede com os despachos relativos à simples execução da pena já transitada (como sejam os que recusam a aplicação do perdão de pena), em que o recurso deles interposto não tem efeito suspensivo e, conquanto subam imediatamente, fazem-no em separado.
Para além de que incompreensível e até intolerável sempre resultaria que, ao invés do que sucede com a decisão que declare suspensa a execução da pena de prisão, a decisão que a revogue não fosse passível de recurso de revisão, quando, é certo que, importando esta uma restrição do direito fundamental à liberdade, a todos os cidadãos injustamente condenados a Constituição da República reconhece e garante o direito à revisão da sentença (artigo 29.º, n.º 6), como forma de permitir repor a verdade e realizar a justiça, fim último do processo penal.
Daí que, muito embora a solução que se perfilha não possa - longe disso - considerar-se consensual, se continue a entender que a decisão que revoga a suspensão da execução da pena é passível de recurso extraordinário de revisão, contanto que exista fundamento para tal."
2 - Ou seja, perante idênticas situações de facto, os dois acórdãos decidiram de forma oposta, por perfilharem diferente interpretação quanto ao alcance da norma dos n.os 1 e 2, do art. 449.º, do CPP, sendo certo que entre a prolação dos mesmos não teve lugar qualquer alteração legislativa.
Apesar da identidade de situações de facto, a resposta à questão de direito suscitada foi dada em termos divergentes e contraditórios.
Divergência que, aliás, é expressão (como veremos) da convivência, na jurisprudência deste Tribunal, de duas correntes sobre a admissibilidade de revisão quanto à decisão revogatória da suspensão.
Sendo que os acórdãos recorrido e fundamento desvelam, no essencial, os argumentos que uma e outra corrente têm apresentado.
A questão controvertida é, pois, a de saber se o despacho de revogação da suspensão da execução da pena é ou não suscetível de recurso de revisão.
Em resumo, mostram-se preenchidos, in casu, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência.
Reafirma-se, assim, a oposição de julgados, em conformidade com o disposto no artigo 437.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, porquanto os acórdãos recorrido e fundamento, versando sobre idêntica situação de facto, assentam em soluções jurídicas opostas para a mesma questão de direito, sendo expressa a oposição dos respetivos dispositivos.
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