Ministério Público abriu 802 processos nos últimos três anos. Mas Sociedade Portuguesa de Autores não tem registo de qualquer condenação em tribunal.
in Expresso | 01-03-2018 | Joana Pereira Bastos
m pouco menos de seis meses, dois casos de plágio ensombraram a música portuguesa: depois de Tony Carreira ter sido acusado, em setembro, de ter copiado 11 canções de autores estrangeiros, num processo que está atualmente a ser julgado em tribunal, o músico Diogo Piçarra desistiu esta semana do Festival da Canção, onde participou com um tema que causou polémica por parecer praticamente igual a um hino evangélico dos anos 70. A verdade é que são apenas dois casos, num universo muito maior. Segundo dados da Procuradoria-Geral da República, de setembro de 2014 (data da nova organização judiciária) até ao final do ano passado foram abertos 802 processos – a uma média de cinco por semana.
Apesar de ser vulgarmente utilizado, o termo plágio não consta da legislação nacional. No Código do Direito de Autor e Direitos Conexos o crime surge como “contrafação”, estando prevista uma pena de prisão até três anos e multa até 250 dias para “quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria”.
A grande maioria das queixas acaba, no entanto, por ser arquivada. Embora tenham sido investigados 802 casos nos últimos três anos, só 162 acusações foram deduzidas no mesmo período. E as condenações são ainda mais raras. Tão raras que o diretor do serviço jurídico da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) não se recorda de nenhuma nos últimos 20 anos.
“Não consigo lembrar-me de nenhum caso que tenha terminado em condenação”, diz Carlos Madureira. A produção de prova, “extremamente difícil” nestes casos, é o principal obstáculo. “Não chega dizer que duas músicas são iguais ou quase iguais. É preciso pedir peritagens, habitualmente feitas por maestros, e mostrar que a pessoa sabia que estava a plagiar uma obra, ou seja demonstrar que houve dolo”, explica o responsável. E é sobretudo aí que reside o problema.
“Uma pessoa pode criar uma canção muito parecida com outra que ouviu uns anos antes e que de alguma forma lhe ficou no ouvido, sem que isso seja consciente. Atualmente os autores viajam por muitos sítios, ouvem muita coisa e têm acesso a uma panóplia de músicas e estilos muito maior do que há alguns anos. É natural que surjam melodias que se aproximam muito de outras já existentes, o que não quer dizer necessariamente que se trate de plágio”, defende o especialista da SPA.
“JÁ ESTÁ QUASE TUDO INVENTADO”, DIZ DIOGO PIÇARRA
É isso que alega Diogo Piçarra, que garante não ter plagiado conscientemente o cântico evangélico “Abre os Meus Olhos”, uma versão brasileira do tema “Open Your Eyes”, de Bob Cull. Embora reconheça as semelhanças entre a canção que interpretou no Festival da Canção e aquele hino religioso criado nos anos 70, o músico defende que as mesmas se devem ao facto de ambos os temas terem “uma melodia tão simples, tão elementar” que facilmente se parecem. “Já está quase tudo inventado, todas as progressões, todas as melodias, só resta variar o que já foi inventado. Neste caso se eu conhecesse aquela música de antemão teria variado um pouco”, afirmou, em entrevista ao Observador. “É a sina do compositor. Isto acontece a todos, toca a todos e só quem não cria arte é que não sofre com isto”, rematou.
Lucas Serra, advogado especialista em Direitos de Autor, vai no mesmo sentido: “Só há sete notas, não é difícil haver semelhanças entre músicas. Há casos em que há efetivamente intenção de plagiar, mas há outros em que isso não acontece”.
Tal como o responsável da SPA, Lucas Serra sublinha igualmente a dificuldade de fazer prova em tribunal. O especialista dá como exemplo um caso em que representou em tribunal os titulares dos direitos do tema “The Hills Are Alive”, do filme “Música no Coração”, que acusavam os autores de um anúncio publicitário de terem plagiado a canção. “Tinha três ou quatro maestros de referência a dizer que era plágio e do outro lado havia outros tantos maestros de referência a dizer que não era. Uma oitava acima ou uma oitava abaixo pode ser o suficiente para não se dar como provado”, conta.
“AS IDEIAS NÃO SÃO APROPRIÁVEIS”
Na literatura, o plágio é mais fácil de provar, dizem os especialistas. “Não é preciso fazer grandes peritagens. Basta fazer uma análise comparativa dos textos”, diz Carlos Madureira, da Sociedade Portuguesa de Autores.
O responsável frisa, ainda assim, que só há plágio se houver excertos iguais ou com pequeníssimas alterações. “As ideias não são apropriáveis. Por isso, não chega ser o mesmo enredo. Se alguém pegar numa história já existente mas produzir um texto completamente diferente do original, não há plágio. Duas pessoas podem contar a mesma história de formas muito distintas”, explica.
PUB