Cerca de 600 advogados debatem entre quinta-feira e sábado o futuro da profissão num Congresso em Viseu, no qual o antigo Presidente da República Ramalho Eanes e o catedrático Costa Andrade serão distinguidos pelo bastonário da Ordem dos Advogados.
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Guilherme Figueiredo, disse à agência Lusa que a justiça tem que ser encarada pelo poder político e legislativo como um "bem essencial" e "não como um bem económico", pelo que se exige um verdadeiro investimento do Estado, à semelhança do que também devia acontecer em outros pilares da sociedade, como a Educação e a Saúde.
Numa altura em que existem 31.000 advogados em Portugal, um número que o bastonário reconhece ser "excessivo", o VIII Congresso - o último foi em 2011 - propõe-se debater os temas mais relevantes para o exercício da profissão, para a boa administração da justiça, bem como os direitos, liberdades e garantias.
Identidade da profissão, a tutela dos direitos, administração da justiça, aperfeiçoamento da ordem jurídica são os temas que irão animar o congresso durante três dias, com as conclusões a serem debatidas e votadas em cada uma das secções e submetidas a votação final numa sessão plenária que aprovará as conclusões do congresso, que na abertura terá a presença da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
No entender de Guilherme Figueiredo, a justiça, como pilar fundamental do Estado e da defesa dos cidadãos, é um "bem essencial" que não pode continuar a ser um "parente pobre" do Orçamento de Estado, que contempla apenas 50% das receitas do setor, deixando-o sem recursos e esvaziado de competências, permitindo que uma série de matérias sejam atiradas para fora dos tribunais.
"Passou-se cada vez mais a colocar a justiça fora dos tribunais", criticou o bastonário, que se mostrou avesso a situações de "arbitragem hoc" e outras soluções que fragilizem o Estado e retiram a centralidade aos tribunais.
Guilherme Figueiredo considera que é urgente reforçar os tribunais administrativos e fiscais, bem como os tribunais de comércio, os quais estão "longe da eficácia exigível".
Outra dos problemas relevantes prende-se com o valor das custas judiciais que dificultam cada vez mais o acesso da classe média aos tribunais, funcionando como uma forma de "denegação de justiça" ao tornar a justiça cara para os cidadãos sem apoio judiciário.
Na opinião do bastonário, as custas judiciais devem ser "proporcionais e adequadas aos rendimentos das pessoas" e há "muito trabalho a fazer" nesta matéria, que não deve ser tratada de forma "casuística" pelo poder político.
O bastonário congratulou-se com o facto de o Ministério da Justiça ter acolhido o projeto da Ordem dos Advogados de criar um "sistema dual" (notários/tribunais) para tratar do processo de inventário/partilhas, que permitirá às pessoas optar entre um e outro serviço.
Quanto à situação da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, Guilherme Figueiredo desdramatizou a situação, afirmando que aquele sistema tem garantida a sua sustentabilidade e não está insolvente. O maior desafio, admitiu, será encontrar o ponto de equilíbrio entre essa sustentabilidade e as exigências resultantes das expectativas de cada advogado.
Questionado sobre se as medidas propostas no Pacto para a Justiça não teriam caído em saco roto, com alguma indiferença do poder político, o bastonário observou que algumas medidas podem ser "facilmente colocadas em prática no ordenamento jurídico português" se houver vontade política para o fazer.
Questões relacionadas com o acesso à justiça, alterações no processo penal e processo civil e na organização judiciária são algumas das áreas em que as medidas podiam ser rapidamente adotadas, ao contrário de outras, dirigidas à justiça administrativa e fiscal, que por serem estruturantes são mais difíceis de colocar em prática.
Numa altura em que o país já discute o próximo OE, empurrado pela luta dos professores em prol do descongelamento das carreiras, Guilherme Figueiredo alerta o Governo para a necessidade de reforçar os tribunais com mais funcionários judiciais, juízes e magistrados do Ministério Público, preenchendo os lugares nos quadros e formando novos profissionais.
Durante o congresso, para o qual foram eleitos 309 delegados, o bastonário irá distinguir Ramalho Eanes e Manuel Costa Andrade, atual presidente do Tribunal Constitucional, com a medalha de ouro da OA.
in Diário de Noticias | 12-06-2018 | LUSA
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