I - O direito à greve é um direito fundamental dos trabalhadores, de natureza irrenunciável (art.º 57.º da Constituição da República Portuguesa e art.º 530.º n.º 3, do Código do Trabalho).
II - O recurso à greve é decidido pelas associações sindicais ou pela assembleia de trabalhadores, sendo os trabalhadores representados pela associação sindical que decidiu o recurso à greve ou pela comissão de greve eleita pela assembleia de trabalhadores (artigos 531.º e 532.º, do Código do Trabalho).
III - A greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade (art.º 536.º, n.º 1, Código do Trabalho), ficando aquele colocado numa situação de imunidade em relação às consequências da sua abstenção de trabalhar.
IV - Uma vez que a greve pode contender com a tutela do interesse geral da comunidade e com outros direitos fundamentais dos cidadãos, o legislador previu que as empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidade sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve ou a comissão de greve e os trabalhadores aderentes devem assegurar durante a mesma, a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades (art.º 537.º n.º 1, do Código do Trabalho).
V - Nesse contexto, os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação (art.º 538.º, n.º 7 Código do Trabalho). Assim sendo,
VI - Deveria a 2.ª Ré, ora Recorrente, ter indicado ao Sindicato XXX os trabalhadores que estavam aptos e disponíveis para prestar os serviços mínimos, tal como lhe foi por este solicitado, visto dispor a empregadora da pertinente informação a esse respeito.
VII - Tendo o Autor verificado que o seu nome não integrava a lista elaborada pelo dito Sindicato onde constavam os nomes dos trabalhadores designados para prestar serviços mínimos - entidade a quem cabia legalmente essa indicação, tendo o mesmo optado por aderir à greve, à luz da Constituição, da lei e das regras da boa-fé, a sua ausência ao serviço no dia em questão, não pode ser qualificada como falta injustificada, tendo antes ocorrido no âmbito do exercício legítimo do seu direito à greve.
VIII - Ainda que assim não fosse, e porventura se considerasse que a adesão à greve por parte do trabalhador tinha sido executada de forma contrária à lei, tratando-se de uma única falta, no contexto em questão, sem que se tenha demonstrado a ocorrência de quaisquer prejuízos para a Ré empregadora, não tendo o Autor passado disciplinar, sempre seria de considerar desproporcionada a aplicação de sanção disciplinar expulsiva (art.º 330.º, do Código do Trabalho), sabido constituir esta a última ratio do nosso sistema punitivo laboral (art.º 328.º, do Código do Trabalho), não se verificando justa causa de despedimento (art.º 351.º, do Código do Trabalho).
IX – A presente situação consubstancia uma relação laboral plurilocalizada, na medida em que existem elementos de contacto, pelo menos, com as ordens jurídicas portuguesa e (…). Com efeito, o Autor é português, presta serviços para a Ré que é (…), desempenhando as suas funções a bordo de aeronaves registadas na (…), no espaço aéreo europeu, tendo as partes escolhido no âmbito dos contratos de trabalho que celebraram a aplicação da lei (…).
X - Ao caso aplica-se o disposto no Regulamento 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).
Resulta do art.º 3.º do citado Regulamento, como primeiro critério para a determinação da lei aplicável, o princípio da autonomia da vontade. Cabendo, assim, às partes a escolha da lei aplicável. Não deixa, contudo, de se acautelar a posição da parte mais débil, prevendo-se, no tocante aos contratos de trabalho, que “a escolha da lei não pode privar o trabalhador da proteção proporcionada pelas disposições não derrogáveis por acordo da lei que seria aplicável na falta de acordo” (art.º 8.º n.º 1). Estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3, do mesmo preceito, respetivamente, os fatores de conexão determinantes da lei reguladora do contrato no caso de as partes não terem escolhido a lei aplicável e na hipótese de não ser possível determinar a lei aplicável (“a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do constato ou, na sua falta a partir da qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato” e a “lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador”).
XI – Uma vez que a Ré durante o tempo em que perdurou a relação laboral em causa remunerou o Autor de acordo com a lei (…), tendo-se provado ter o Autor auferido retribuição variável (cujo montante não se apurou), jamais lhe tendo sido pago qualquer verba enquadrável no conceito de subsídio de férias e de subsídio Natal, e não estando demonstrado que o trabalhador tivesse de receber a retribuição mínima mensal garantida, é de concluir que a legislação laboral portuguesa assume conteúdo mais protetivo para o trabalhador do que a lei (…).
XII – Para além disso, no caso em apreço, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o essencial dos indícios fácticos indicativos do local onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, para efeitos de determinação da lei que seria aplicável na falta de acordo, apontam, claramente, para a lei portuguesa.
Outras decisões aqui:
TRL - 25.11.2020 - Greve, Comunicação, Dirigente sindical, Sanção disciplinar, Abuso de direito
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