I - Sendo regra nas sociedades por quotas que as quotas se transmitem (mortis causa) para os sucessores dos sócios nos termos do direito comum das sucessões, pode o contrato social estabelecer que, falecendo um sócio, a respetiva participação social “não se transmitirá” aos sucessores do falecido (cfr. art. 225.º, n.º 1, do CSC).

jurisprudencia

 

II - Quando, com base numa cláusula do contrato social, a sociedade pretenda impedir que a quota do sócio continue nos seus sucessores, deve começar por deliberar “amortizá-la, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro”, uma vez que se isto não for feito, “nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio, a quota continuará nos seus sucessores” (art. 225.º, n.º 2, 2.ª parte, do CSC)

III - Durante tais 90 dias - ou seja, durante o tempo que medeia entre a morte do sócio e a tomada ou não tomada pela sociedade de alguma das providências que lhe são facultadas - os direitos e obrigações componentes da quota ficam, de acordo e nos termos do disposto no art. 227.º do CSC, suspensos.

IV - E se é certo que o art. 227.º, n.º 3, do CSC permite que, durante a suspensão, os sucessores possam exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, a verdade é que, no exercício dos direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, não se insere o direito de voto quanto ao próprio destino da quota - amortização, aquisição - ou seja, os sucessores do sócio falecido não têm o direito de votar na deliberação de amortização.

V - Assim, numa sociedade de dois sócios (tendo um falecido), não gera vício para a deliberação de amortização da quota ter esta sido tomada apenas com o voto único do outro sócio (o sócio sobrevivo).

VI - Assim como não gera vício de procedimento (do art. 58.º, al. c), do CSC) para a deliberação de amortização da quota não ter sido esta precedida da prestação de informação solicitada pelos sucessores do sócio falecido, uma vez que a satisfação de tal “pedido” de informação não era indispensável/relevante a proporcionar a adequada preparação dos sucessores (tendo em vista a justa defesa dos seus direitos de participação na assembleia geral), na medida em que os mesmos não podiam sequer participar na votação da assembleia geral.

VII - Assim como não gera vício de procedimento (do art. 58.º, al. c), do CSC) para a deliberação de amortização da quota a convocatória da respetiva assembleia geral não mencionar a forma de cálculo do valor da contrapartida da amortização da quota, o respetivo valor e forma de pagamento aos titulares da quota amortizanda.

VIII - Efetivamente, a deliberação de amortização, como conteúdo obrigatório, tem que referir o facto permissivo em que a amortização se funda, que conter a declaração de vontade de amortizar, que identificar a quota sobre que incide e que incluir, nos termos do art. 236.º, n.º 2, do CSC, a expressa menção de, à data da deliberação, a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal (a não ser que simultaneamente seja deliberada a redução do capital), ou seja, a menção da contrapartida da amortização compulsiva é dispensável, uma vez que há sempre preceitos supletivos aplicáveis (ou de natureza contratual ou, não existindo estes, preceitos legais supletivos).

IX - E, sendo assim, se a própria deliberação de amortização não tem obrigatoriamente que conter o valor da contrapartida da amortização, não existe razão para a convocatória para a respetiva assembleia geral ter que conter, no respetivo ponto de ordem de trabalhos, a forma de cálculo do valor da contrapartida da amortização da quota, o respetivo valor e forma de pagamento aos titulares da quota amortizanda.

X - Amortização que, nos termos do art. 236.º do CSC, só pode efetuar-se se o capital social for ressalvado, requisito este que tem que se verificar quer no momento da amortização (art. 236.º, n.º 1, do CSC) quer no momento do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida (art. 236.º, n.º 3, do CSC), não exigindo, porém, a lei que a sociedade elabore um balanço especial para ser determinada a verificação de tal requisito, tendo pois que ser os sócios e/ou os gerentes que terão que reunir os elementos contabilísticos para dele se certificarem (ou não) nos dois precisos momentos a que a lei manda atender.

XI - Assim, o sucessor do sócio falecido que pretenda colocar em crise a verificação de tal requisito - que configurará a violação duma norma imperativa, provocando a nulidade da deliberação de amortização nos termos art. 56.º, n.º 1, al. d), do CSC - terá (o que pode fazer a todo o tempo, nos termos do art. 286.º do CC) o ónus de alegar e provar tal violação, ou seja, em termos de deliberação de amortização é bastante que fique a constar a menção referida no art. 236.º, n.º 2, do CSC.

XII - Estipulando o contrato social (de sociedade com apenas dois sócios) que, em caso de falecimento de qualquer sócio, a sociedade poderá amortizar a respetiva quota pelo valor médio que resultar dos últimos três balanços aprovados, não é a circunstância de não haver balanços aprovados há 9 anos que impede a amortização da quota do sócio falecido.

XIII - Sucedendo que, votada a amortização da quota do sócio falecido, será apenas o sócio sobrevivo que, depois, sozinho (como único sócio, face ao efeito retroativo da amortização constante do art. 227.º, n.º 1, do CSC), irá aprovar as contas (podendo, assim, “moldar” o valor da contrapartida da amortização), o que está ao arrepio do espírito da cláusula estatutária (sobre a contrapartida de amortização), em que não entra ou cabe a ideia/possibilidade da concretização da contrapartida poder ficar na mão do sócio que permanece na sociedade, uma vez que se estabelece um critério que remete para algo que é suposto, num plano de normalidade, estar já antes fixado e com a intervenção de ambos os sócios.

XIV - Sendo assim, o critério de cálculo da contrapartida da amortização constante do contrato social é insuscetível de ser aplicado, tudo se passando como se a contrapartida da amortização não estivesse regulada pelas estipulações do contrato de sociedade, passando então a ter que ser aplicáveis as disposições legais supletivas, ou seja, o disposto no art. 235.º, n.º 1, do CSC, pelo que, tendo-se deliberado que a contrapartida de amortização é a constante dos estatutos, viola tal deliberação o preceito legal dispositivo que passa a ser aplicável (art. 235.º, n.º 1), sendo anulável nos termos do art. 58.º, al. a), do CSC.

XV - De acordo com o art. 58.º, n.º l, al. b), do CSC - e na primeira espécie de deliberação abusiva aí prevista - uma deliberação será abusiva/anulável quando, sem violar disposições específicas da lei ou do estatuto da sociedade, for objetivamente apropriada para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios e, além disso, quando servir o propósito de o sócio conseguir tais vantagens especiais para si ou para terceiros, significando este segundo pressuposto que tem pelo menos que se provar que o sócio, ao votar, previu como possível a vantagem especial para si ou para outrem e o prejuízo da sociedade ou de outros sócios e não confiou que tal resultado não se verificaria, ou seja, tem que se provar pelo menos o dolo eventual do sócio que votou tal deliberação.

 

 

 

 

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Outras decisões:

TRG - 07.04.2022 - Doação, Legítima, Quota disponível, Colação, Inoficiosidade. Valor do bem doado. Valor das benfeitorias

TRP - 23.01.2020 - Sociedade por quotas, Assembleias gerais, Funções do gerente, Relatório de gestão, Direito à informação, Direito de voto, Deliberação social, Alienação

STJ - 18.06.2019 - Sociedade por quotas, Deliberação social, Anulação de deliberação social, Gerente

 

 

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