II - Sendo a usucapião a base da nossa ordem jurídica, o que releva para alcançar as realidades prediais, objecto de direitos reais, são os actos possessórios verificados ao longo dos tempos, que incidam sobre tais realidades, físicas e concretas, e não os elementos identificativos em poder de entidades ou serviços públicos, como as descrições prediais ou as inscrições matriciais – estas, por maioria de razão –, que podem ser úteis na identificação ou localização daquelas realidades, mas não podem ter qualquer repercussão nas relações jurídico-privadas, nomeadamente delimitando o objecto sobre que incindem tais direitos, nada provando, por si só, quanto a esse objecto, designadamente quanto à respectiva área concreta.
I - O significado essencial das regras sobre o ónus da prova está em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer a prova de certo facto.
III - A posse adquire-se, nomeadamente, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, mantém-se enquanto durar essa actuação ou a possibilidade de a continuar, podendo aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte juntar à sua a posse do antecessor (arts. 1251.º, 1252.º, 1256.º, 1257.º e 1263.º do CC). E, por via do constituto possessório, se o titular do direito real transmitir esse direito a outrem, a sua posse não deixa de considerar-se transferida para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa ou esta, à data do negócio translativo do direito, for detida/ocupada por um terceiro (art. 1264.º do CC).
IV - Por isso, não existindo, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início dessa posse, o possuidor sempre gozaria da presunção da titularidade do direito (de propriedade) sobre a discutida parcela, a qual teria de ser abalada por factos tidos por provados (art. 1268.º do CC).
V - Por outro lado, se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do art. 7.º do CRgP, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito –, tal presunção não pode deixar de se estender à (crucial) existência do próprio prédio objecto do direito, ainda que não à respectiva área, ou, pelo menos, à exactidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma.
Com relevância:
Código Civil - Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro
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