Analisada a factualidade dada como provada, na sua globalidade complexiva, verifica-se que o arguido, de modo repetido, praticou diversos atos sobre a pessoa da assistente, que vão das injúrias à violência física, atos que, em nosso entender, constituem atitudes de degradação, humilhação e secundarização da vítima, afetando-a, de modo significativo e relevante, não só no seu bem-estar (físico e psíquico), como também na sua dignidade humana.
A reiteração e a gravidade das condutas levadas a cabo pelo arguido permitem-nos, sem dúvidas ou hesitações, considerar a existência, in casu, de um grau de ilicitude que não se compadece com a eventual condenação do arguido por outros crimes (parcelares) que não o de violência doméstica (por exemplo, pelo crime de injúria ou pelo crime de ofensa à integridade física qualificada).
Dos factos provados resulta, pois, demonstrado um estado de agressão (física e verbal) muito persistente e intenso, que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio do arguido sobre a vítima, com vista a diminuir a sua dignidade como pessoa.
Em resumo: considerando a “situação ambiente”, analisando a “imagem global do facto”, e vistos os concretos atos cometidos pelo arguido, entendemos estar preenchido o tipo legal de crime de violência doméstica, porquanto as condutas levadas a cabo pelo arguido contra a assistente constituem um atentado à dignidade pessoal da mesma.
Como bem se escreve no Ac. deste T.R.E. de 03-07-2012 (relator Sérgio Corvacho, in www.dgsi.pt), “a pedra de toque da distinção entre o tipo criminal de violência doméstica e os tipos de crime que especificamente tutelam os bens pessoais nele visados concretiza-se pela apreciação de que a conduta imputada constitua, ou não, um atentado à dignidade pessoal aí protegida”.
Ora, neste caso, repete-se, as condutas do arguido, pela sua gravidade e reiteração, constituem um atentado, relevante, à dignidade pessoal da assistente.
Quanto ao critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação (ou a prejudicar a liberdade de determinação), e como bem esclarece Taipa de Carvalho (ob. e local citados), tal critério é “objetivo-individual: objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do gente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “subcapacidades” do ameaçado). Assim, uma determinada ameaça pode, relativamente a um adulto normal, não ser considerada adequada (não adequação, segundo um critério exclusivamente objetivo), mas já o ser quando o ameaçado é uma criança ou uma pessoa com perturbações psíquicas (....). Uma vez que o atual crime de ameaça não exige, por um lado, a intenção do agente de concretizar a ameaça (....), nem exige a ocorrência do resultado/dano (....), e, por outro lado, exige que o mal ameaçado seja constituído pela prática de determinados crimes, a conclusão a tirar é a de que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)”.
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, exige-se o dolo, que pode assumir as modalidades de direto, necessário ou eventual (artigo 14º do Código Penal), bastando o carácter genérico do mesmo, traduzido na consciência (representação e conformação) por parte do agente da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado, sendo “irrelevante que o agente tenha, ou não, intenção de concretizar a ameaça” (Taipa de Carvalho, ob. citada, pág. 351).
Livros recomendados que poderá adquirir com Desconto:
Violência Doméstica - O reconhecimento jurídico da vítima
Conteúdo Relacionado: