I - Sejam as buscas judiciárias ou efetuadas por órgão de polícia criminal, o juízo de prognose sobre a existência de indícios para a realização da busca deve ser aferido perante a situação concreta, em função de critérios de razoabilidade, ou seja, de necessidade, adequação e proporcionalidade perante o objetivo, nos termos extraídos da 2.ª parte do art. 18.º , n.º 2 da CRP.

jurisprudencia

 

II - O tipo de crime, os meios utilizados para o crime e os objetos encontrados na posse do agente aquando do flagrante delito são, entre outros, fatores relevantes para a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal decidirem, em função de critérios de razoabilidade, se existem indícios para ser autorizada/ordenada ou efetuada busca em lugar reservado ou não livremente acessível ao público. Tais indícios não têm de ser fortes ou indícios suficientes, pois quando assim o CPP o quis referiu-o expressamente nas normas legais.

III - Sendo o fim da busca domiciliária a apreensão de coisas ou objetos relacionados com o crime que estarão no domicílio do arguido, não é a distância entre o local da ocorrência do flagrante delito e o da busca, que determina a validade ou não desta, mas sim a adequação e necessidade de realização dessa diligência, para salvaguarda do meio de prova que, objetivamente e em face das regras da experiência comum, ali se poderá encontrar.

IV - Não existindo expresso na lei um hiato temporal a respeitar entre a constatação do flagrante delito e a busca, é medianamente claro que o mesmo não poderá ser dilatado, sob pena de a busca se tornar inadequada e desnecessária ao fim visado, por inútil, pois a possibilidade de destruição ou de movimentação das provas aumenta com o decurso do tempo.

V - Não é o resultado da busca - consubstanciado na apreensão ou não de objetos do crime ou relacionados com ele no lugar reservado ou não livremente acessível ao público -, que determina a validade ou invalidade do juízo sobre a existência de indícios que determinou a realização da busca.

VI - O direito ao sigilo da correspondência e das comunicações privadas, como à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática, são expressões do direito à reserva de intimidade da vida privada, consagrado no art. 26.º, n.os 1, in fine e 2 da CRP).

VII - Entende-se que o art. 179.º do CPP se aplica à correspondência física em trânsito, fechada, até à sua abertura. Uma carta recebida e aberta não goza da proteção do art.179.º do CPP, mas do regime aplicável a qualquer documento escrito guardado em arquivo pessoal. São essencialmente duas as razões que suportam este entendimento: por um lado, tem-se em conta a específica situação de perigo em que a mensagem se encontra durante o processo de comunicação, altura em que o emissário e o destinatário não têm controlo sobre ela. Por outro lado, assume-se que correspondência suscetível de ser violada é apenas aquela que dispõe de uma proteção física exterior, que faz com que a mensagem se encontre fechada, tornando o respetivo conteúdo inacessível por terceiros.

VIII - Com o novo regime de recolha da prova em ambiente digital, contemplado na Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime), passou a entender-se, pelo menos maioritariamente, que as mensagens de correio eletrónico, armazenadas, deixaram de estar sujeitas ao regime das interceções telefónicas, por via do art. 189.º, n.º 1 do CPP e passaram a ficar sujeitas ao regime de apreensão do art. 17.º da Lei do Cibercrime.

IX - O art. 17.º da Lei do Cibercrime não faz qualquer distinção entre mensagens de correio eletrónico abertas ou fechadas, no momento de exigir a intervenção do Juiz de Instrução para autorizar ou ordenar a apreensão daquelas mensagens, com a consequente legitimação para a utilização no processo.

X- A doutrina, como a jurisprudência do TC, têm caminhado em direção a uma disciplina tendencialmente unitária da apreensão de correio eletrónico em processo penal, apresentando, entre outros argumentos: a eliminação da barreira física que protege o conteúdo comunicação física até ao momento da abertura da carta - não tem pura e simplesmente aplicação no âmbito das mensagens eletrónicas. A distinção entre mensagens abertas e fechadas é não só artificial, porque o destinatário pode marcar, livremente, as mensagens como abertas ou fechadas, mediante a seleção de uma simples opção no computador: independentemente de ter lido ou não a mensagem, está na sua total disponibilidade classificá-la como não lida ou como lida, como é falível, porque nada garante que uma mensagem marcada como aberta tenha já esgotado a sua natureza de comunicação, tendo sido efetivamente lida. Diferentemente do que sucede na correspondência postal ou com as mensagens SMS que já foram lidas pelo destinatário, não pode afirmar-se que o processo de comunicação (a especial situação de perigo) cessou pela primeira abertura do correio eletrónico ou que o destinatário se encontra com total domínio sobre a mensagem. Enquanto a mensagem se mantiver na caixa de correio - sem ser definitivamente armazenada em qualquer lugar do computador do destinatário e eliminada dos servidores do provider -, ela está sob controlo do fornecedor de serviços eletrónico.

XI - Tendo os prints das mensagens de correio eletrónico sido apreendidos e juntos aos autos sem para tal sido proferido despacho de autorização do Juiz de Instrução, a apreensão das mensagens de correio eletrónico e sua junção aos autos, não se mostram legitimadas por despacho de autorização do Juiz de Instrução, como é exigência do art. 17.º da Lei do Cibercrime.

XII - A intromissão no correio eletrónico, sem autorização judicial para a sua apreensão, integra a nulidade prevista n.º 3 do art. 126.º do CPP, que gera a proibição da utilização da prova.

 

 

 

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TRL - 13.07.2021 - Crime de fraude fiscal qualificada, Validade da prova não exibida em audiência, O princípio da não auto-incriminação, Ne bis in idem, Caso julgado

TRP - 09.12.2020 - Buscas domiciliárias, Consentimento, Proibição de prova

 

 

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