I. Em face do disposto no n.º 1 do artigo 186.º do CIRE[1], são requisitos cumulativos da insolvência culposa: a) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores (tanto de direito, como de facto), nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave); e c) o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
II. Não obstante, verificando-se alguma das situações descritas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo, fica imediatamente estabelecido o juízo normativo de culpa, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a actuação ali elencada e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
III. Por força do n.º 4 do artigo 186.º, as previsões constantes do seu n.º 2, são aplicáveis às pessoas singulares, com as necessárias alterações.
IV. Estando demonstrado que a devedora (pessoa singular declarada insolvente por sentença de 15/05/2018) procedeu à venda da fracção autónoma da qual era proprietária pelo preço de 65.500€ (em 30/11/2017) – a qual havia sido adquirida pelo preço de 71.000€ (em Setembro de 2008) e, à data da venda, tinha um valor patrimonial de 55.036,57€ -, tendo com o produto de tal venda liquidado o empréstimo bancário a que estava obrigada (liquidando, a esse título, o montante de 61.056,62€), dessa forma permitindo o cancelamento da hipoteca voluntária que sobre o bem incidia, não se mostra preenchida a previsão do artigo 186.º, n.º 2, al. d), porquanto sempre estaríamos perante um titular de crédito garantido que, em sede de insolvência, obteria preferência pelo produto da venda do imóvel, para além de não ter sido apurado que a venda tenha ocorrido por montante inferior ao valor real ou comercial.
V. Porém, tendo a devedora, em 07/03/2017, transmitido a titularidade do veículo automóvel do qual era proprietária para o nome da sua ex-sogra (a qual, para além de não estar demonstrado que fosse credora, nunca gozaria de qualquer preferência de pagamento sobre o produto desse bem), sem que para tanto tenha sido pago qualquer preço, impõe-se concluir pela verificação da situação prevista na mesma alínea d) do n.º 2 do artigo 186.º, nessa medida sendo de qualificar a insolvência como culposa.
VI. A tal qualificação não obsta o facto de a transmissão da propriedade do veículo ter ocorrido em Março de 2017 e a devedora apenas ter entrado em incumprimento das suas obrigações em Agosto do mesmo ano, porquanto, com a disposição do referido bem, fica imediatamente estabelecido o juízo normativo de culpa da devedora pelo agravamento da situação de insolvência.
VII. Estando em causa uma insolvência qualificada como culposa por força do disposto no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, impõe-se extrair dessa qualificação todos os efeitos, designadamente os efeitos pessoais que decorrem para a pessoa afectada.
VIII. Na fixação do período de inibição a que aludem as als. b) e c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, deverá o tribunal atender à gravidade da conduta da pessoa afectada e à sua relevância para a verificação da situação da insolvência ou para o agravamento da mesma.
IX. A fixação da indemnização a que alude a al. e) do n.º 2 do mesmo artigo 189.º, deverá ser efectuada de forma casuística, atendendo, não apenas ao valor global do passivo (que não obteve satisfação através do activo da massa insolvente), mas também ao grau de culpa e de ilicitude da conduta da pessoa afectada, dessa forma se observando o princípio da proporcionalidade.
X. Nessa medida, não obstante os créditos reclamados e reconhecidos ascendam ao montante global de 83.679,93€, atendendo a que o referido veículo, à data da transmissão da sua titularidade, tinha um valor venal de 8.000€, sendo através do produto da sua venda que seria possível dar parcial pagamento aos credores, julga-se proporcionalmente ajustada a fixação da indemnização aos mesmos no correspondente a mesmo montante, por ser o correspondente ao valor do dano causado pela conduta da devedora.
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