I – No entendimento dominante da doutrina, que seguimos, o crime de violência doméstica tutela a saúde física, psíquica, mental e moral.
II – O crime de violência doméstica é um crime específico impróprio, pois só pode ser cometido por quem possui determinada qualidade ou sobre quem recaia um dever especial, habitual, pois pressupõe a prática reiterada da mesma acção, sem prejuízo de a lei admitir o preenchimento do tipo com uma conduta única, e, dada a sua composição ‘poliédrica’, umas vezes de resultado, outras de mera actividade, umas vezes de dano, quanto ao bem jurídico, outras de perigo.
III – Devem ser incluídas no conceito de maus tratos físicos todas as condutas agressivas que visem atingir directamente o corpo da vítima, v.g., bofetadas, murros, pontapés, joelhadas, puxões de cabelos, empurrões, apertões de partes do corpo e pancadas ou golpes desferidos com objectos, acções normalmente preenchedoras do tipo do crime de ofensa à integridade física, e no conceito de maus tratos psíquicos as injúrias, as críticas destrutivas e/ou vexatórias, as ameaças, as privações da liberdade, as restrições, as perseguições e as esperas não consentidas.
IV – A qualificação de uma conduta como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um determinado tipo de ilícito, designadamente uma ofensa à integridade física, da mesma forma que a aptidão de determinada acção para preencher este tipo legal não significa, per se, a verificação do crime de violência doméstica, tudo dependendo da «respectiva situação ambiente e da imagem global do facto».
V – O preenchimento do conceito de mau trato não exige que a concreta conduta violenta se traduza numa lesão grave ou num tratamento cruel ou brutal.
VI – A violência doméstica não deve ser entendida como o mero somatório das acções violentas, típicas ou atípicas, praticadas pelo agente contra a vítima, mas antes o que desse conjunto de acções, globalmente considerado, resulta e a sua aptidão para afectar de forma significativa a saúde física, psíquica e moral da vítima e, por essa via, a sua dignidade.
VII – A reiteração não é elemento imprescindível ao preenchimento do tipo objectivo da violência doméstica, embora seja pressuposta como conduta ‘norma’, e daí que o crime seja qualificado como crime habitual.
VIII – A execução é reiterada quando cada acto concreto, cada conduta parcelar, realiza parcialmente o evento, constituindo o somatório dos eventos parciais, o resultado, o evento unitário, o crime único.
IX – A reiteração traduz um estado de agressão permanente, não no sentido de que as condutas violentas sejam constantes, mas no sentido de que traduzem o comportamento padrão do agressor, através do qual se revela a relação de sobreposição do agente sobre a vítima, proporcionada pelo ambiente familiar ou de proximidade social, da qual resulta um tratamento incompatível com a sua dignidade.
Outras decisões:
TRP - 13.09.2023 - Crime de violência doméstica, Maus tratos
TRE - 13.09.2022 - Violência doméstica, Ofensa à integridade física qualificada, Ameaça
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