I - A lei faz aferir e limitar a capacidade (de gozo) da sociedade pelo fim lucrativo que lhe é inerente; assim, a prática de um acto fora das condições legalmente prescritas (que não seja necessário nem conveniente à prossecução do seu fim) mostra-se ferido de nulidade (artigo 294.º, do CC).
II - A constituição pela sociedade posteriormente declarada insolvente de duas hipotecas sobre imóveis seus, a favor da entidade bancária mutuante, para garantia de empréstimos concedidos a pessoas singulares, consubstancia acto nulo, excepto se ocorrer justificado interesse próprio da sociedade garante.
III – A nulidade de que tais actos, à partida, se revestem, faz impender sobre o Banco Mutuante, beneficiário da garantia e autor em acção de verificação ulterior de créditos, o ónus de alegar e provar o justificado interesse da sociedade na prestação das garantias reais aos mutuários, por tal situação se configurar numa excepção à referida regra da nulidade e, como tal, constituir um elemento constitutivo do seu direito (artigo 342.º, n.º1, do CC).
IV – A declaração pela sociedade garante feita nas escrituras de mútuo de que prestava as garantias aos empréstimos para liquidação de responsabilidades suas, não se encontra abrangida por força probatória plena do documento autêntico e, como tal, não tem o alcance de provar a existência do justificado interesse próprio na prestação da garantia.
V – A arguição da nulidade da garantia prestada por parte da sociedade garante (beneficiária da nulidade) não integra, necessariamente, uma situação de abuso de direito. Todavia, poderá merecer cabimento impor-lhe o ónus de demonstrar a inexistência de justificado interesse próprio por se encontrar em posição privilegiada para fazer a prova desse facto (artigo 344.º, do CC) e por ter adoptado posição contrária à boa fé.
VI – Não obstante a nulidade da prestação da garantia (por inexistência de justificado interesse da sociedade garante) ter sido arguida pela massa insolvente, não há que inverter o ónus da prova que impende sobre o Autor, Banco Mutuante, em acção de verificação ulterior de créditos visando o reconhecimento do respectivo crédito como “crédito garantido” e a graduação do mesmo preferencialmente em relação aos imóveis que fazem parte do acervo pertencente à massa insolvente e que se encontram onerados com hipoteca.
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