I - Em sede de responsabilidade civil por actos médicos ocorre frequentemente uma situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, sendo orientação reiterada da jurisprudência do STJ a opção pelo regime da responsabilidade contratual tanto por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada, como por ser, em regra, mais favorável à tutela efectiva do lesado. 

jurisprudencia

 

II - Tanto o direito nacional, como instrumentos internacionais, impõem, como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida, isto é, estando cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica.

III - O consentimento do paciente prestado de forma genérica não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado, sendo, além disso, necessário, em caso de repetição de intervenções, que tais esclarecimentos sejam actualizados, tendo em conta, designadamente, que os riscos se podem agravar com a passagem do tempo.

IV - Estando em causa a realização de um exame de colonoscopia, sem função curativa, do qual nasce uma obrigação de resultado (obtenção dos dados clínicos do exame), ocorrendo uma perfuração do colon do paciente, sem que esteja em discussão o cumprimento do dever primário de prestação do médico mas o cumprimento do dever acessório de, na realização do exame clinico, ser respeitada a integridade física daquele, duas construções dogmáticas podem ser perfilhadas: 

(i) a ocorrência da perfuração do colon basta para configurar a ilicitude, uma vez que uma lesão da integridade física do paciente, não exigida pelo cumprimento do contrato, implica a sua verificação(ilicitude do resultado), caso em que haverá que ponderar da exclusão da ilicitude pelo consentimento informado daquele quanto aos riscos próprios daquela colonoscopia (cfr. art. 340º, nº 1, do CC);

(ii) incumbe ao paciente lesado provar a ilicitude da conduta do médico, isto é a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis, dever que integra a necessidade de, no decurso da intervenção médica, tudo fazer para não afectar a integridade física daquele (ilicitude da conduta), caso em que, mesmo não se provando a violação desse dever, ainda assim, sempre se terá de averiguar se foi devidamente cumprido o dever de informar o paciente dos riscos inerentes à intervenção médica e se este os aceitou.

V - A circunstância de se ter provado que a A., paciente, antes da realização do exame feito pelo R. médico assinou um impresso do Hospital com o título «Consentimento Informado», contendo uma declaração em que afirma estar “perfeitamente informada e consciente dos riscos, complicações ou sequelas que possam surgir”, e ainda que conhecia os riscos inerentes à realização de um exame de colonoscopia, incluindo a possibilidade de perfuração, não é suficiente para preencher as exigências do consentimento devidamente informado uma vez que, no caso, sendo os riscos de perfuração superiores ao normal devido à idade e aos antecedentes clínicos da A., era imperativo que o R. fizesse prova de que a A. fora informada de tais riscos acrescidos. 

VI - Tendo havido violação do dever de esclarecimento do paciente, com consequências laterais desvantajosas, isto é, a perfuração do colon, e com agravamento do estado de saúde, os bens jurídicos protegidos são a liberdade e a integridade física e moral, e os danos ressarcíveis tanto são os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais.

VII - Por conseguinte, quer se siga a concepção da ilicitude do resultado quer a concepção da ilicitude da conduta, o R. médico e a respectiva seguradora encontram-se solidariamente obrigados a reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela A. com fundamento em falta de consentimento devidamente informado para a realização da colonoscopia.

VIII - Identificando-se, da matéria de facto, uma relação contratual entre a A. e o R. médico, que tem como objecto a prestação dos serviços especificamente médicos e uma outra relação contratual entre a A. e a R. Hospital, que não envolve a prestação de serviços médicos em sentido estrito, estamos perante uma situação, denominada pela doutrina, como “contrato dividido” ou autónomo, pelo que tendo-se concluído pela responsabilidade do R. médico com fundamento na falta de consentimento devidamente informado da A., não pode responsabilizar-se a R. Hospital pela conduta do mesmo médico.

 

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