I - Se a usucapião tem que ser invocada por quem dela pretende beneficiar, nos termos do artigo 303º do C. Civil, aplicável ex vi do artigo 1292º do mesmo diploma, não se podendo impor a ninguém a aquisição de um bem contra a sua vontade, não há nenhuma razão para que as causas de suspensão e interrupção dos prazos de usucapião não possam ser conhecidas oficiosamente, utilizando os dados que existem no processo, de modo a proceder-se a uma contabilização correcta da duração da posse relevante para efeitos de usucapião.
II - Considerando os interesses públicos de protecção das relações familiares visados com a previsão da causa de suspensão da contagem dos prazos de usucapião, prevista no artigo 318º, b), ex vi do artigo 1292º, ambos do C. Civil, a mesma tanto se verifica quando quem invoca a aquisição por usucapião são os progenitores a quem estão atribuídas as responsabilidades parentais, como quando quem se pretende fazer valer da usucapião é, inversamente, quem estava sujeito a essas responsabilidades.
III - O possuidor que adquiriu a posse de uma coisa de boa-fé, mas supervenientemente toma conhecimento, por qualquer modo, que o exercício daquela posse está a lesar direitos de outrem, passa a ser considerado possuidor de má-fé, para todos os efeitos, incluindo a duração da posse exigida por lei para a aquisição da coisa possuída, por usucapião.
IV - Quando o artigo 1260º do C. Civil diz que a posse é de boa-fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, estamos perante a exigência de uma ignorância qualificada (boa-fé ética).
V - O estado cognitivo de ignorância, enquanto ausência de uma representação da realidade, é um simples antecedente psicológico da boa-fé, a qual exige um plus que consiste na diligência no apuramento da situação real, pelo que são equiparadas às situações de conhecimento da lesão do direito de outrem todas aquelas em que o possuidor, apesar de não se ter apercebido dessa lesão, tinha todas as condições para a conhecer, o que só não aconteceu porque não teve o cuidado que normalmente seria de esperar de um cidadão diligente, com os seus condicionantes, naquelas circunstâncias.
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