I. A aquisição originária de um bem imobiliário por usucapião só é legalmente possível se a posse recair sobre coisa imóvel ou parte de coisa imóvel suscetível de constituir objeto de direito real.
II. A usucapião, enquanto ato jurídico de aquisição originária de direitos reais, não opera validamente sobre coisa que, nesse domínio, se traduza em objeto legalmente impossível, nos termos do artigo 280.º, aplicável por via do art.º 295.º, ambos do CC.
II. O exercício de posse usucapível sobre parte delimitada de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal não conduz, por si só, à aquisição de um direito de propriedade singular sobre essa parte, destacável daquela fração, já que essa parte não é suscetível, no quadro daquele regime, de constituir unidade independente, nos termos do artigos 1414.º e 1415.º do CC.
VI. Face ao disposto do artigo 1417.º, n.º 1, do CC, a propriedade horizontal pode ser originariamente constituída por usucapião, mas tal constituição tem de assentar em exercício de posse usucapível sobre prédio urbano, ou porventura parte dele, que reúna, desde logo, as características exigidas pelos artigos 1414.º e 1415.º do CC, mormente sobre frações em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas ente si com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.
V. Só assim poderão ficar a constar da sentença de reconhecimento da constituição da propriedade horizontal por usucapião as especificidades obrigatórias a que se refere o artigo 1418.º, n.º 1, do CC.
VI. A ação em que se vise o reconhecimento da constituição da propriedade horizontal por usucapião terá de correr entre todos os condóminos para que a respetiva sentença possa ter eficácia de caso julgado material em relação a todos eles.
VII. No âmbito das pretensões de reconhecimento da constituição da propriedade horizontal por usucapião, a causa de pedir deverá integrar duas vertentes essenciais, a saber:
i) - a factualidade respeitante ao exercício da posse usucapível do prédio urbano ou parte dele sobre que se pretende o reconhecimento da propriedade horizontal;
ii) – a descrição das características quer físicas, estruturais e funcionais, quer técnicas do objeto sobre que incide essa posse em termos de corresponder ao que é legalmente exigível para o reconhecimento de uma situação factual de propriedade horizontal, em especial no que se refere à concreta individualização e especificação das frações autónomas, de harmonia com o disposto nos artigos 1414.º e 1415.º do CC e ainda com a regulamentação aplicável das edificações urbanas.
VIII. Num caso como o dos autos, em que os A.A. pretendem a constituição da propriedade horizontal por usucapião sobre duas partes de uma fração autónoma já constituída, mas pedem que os R.R. realizem obras numa dessas partes para que possa ser destacável, chegando mesmo a admitir a possibilidade do não fracionamento, uma tal pretensão contradiz a necessária verificação de pré-existência de uma situação de facto inerente ao regime da propriedade horizontal.
IX. Nestas circunstâncias alegatórias, o suprimento de uma tal contradição implicaria a reformulação da causa de pedir, num segmento essencial, muito para além do aperfeiçoamento em sede de factos complementares ou concretizadores dos já alegados.
X. Em tal situação, não se mostra útil um convite ao aperfeiçoamento para o adequado aproveitamento da pretensão deduzida de modo tão insuficiente, em termos de justificar que o tribunal use do poder-dever conferido pelo artigo 590.º, n.º 2, alínea b), e n.º 4, do CPC.
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