I – Na reapreciação da decisão de facto, enquanto instância de recurso, a Relação deverá formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja limitada pelas indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido.
II – As declarações de parte e os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, pressupondo esta liberdade de apreciação que o tribunal julgue segundo a sua convicção, que formará, não obedecendo a regras e princípios legais preestabelecidos, mas pela influência que exerceram no seu espírito as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência, nada obstando, por isso, que fundamente a sua convicção nas declarações de parte, se, depois de um esforço mais aturado, designadamente de confrontação das declarações de parte com as outras provas carreadas para os autos, se convencer da sua credibilidade.
III - A destinação do pai de família é o ato pelo qual uma pessoa estabelece entre dois prédios que lhe pertencem (ou entre duas partes do mesmo prédio) um estado de facto que constituiria uma servidão se se tratasse de dois imóveis pertencentes a dois proprietários diferentes.
IV – São pressupostos de constituição da servidão por destinação de pai de família: a) a existência de dois ou mais prédios ou de duas ou mais frações do mesmo prédio, pertencentes ao mesmo dono ou donos (em compropriedade); b) a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem inequivocamente a relação de serventia entre os prédios; c) a separação dos prédios ou frações em relação de serventia, ou seja, a afetação a donos diferentes; d) a inexistência de um acordo de afastamento da constituição da servidão, no ato de separação dos prédios.
V – Tendo os donos de um prédio tomado disposições concretas para excluir a constituição de uma servidão de passagem, praticando atos integrados na divisão do prédio que deixavam perceber claramente essa exclusão, apesar de nada se ter dito na escritura de doação de uma das frações desse prédio, a referida vontade de exclusão da servidão deve ter-se por operante e eficaz, por ser do conhecimento e aceitação dos donatários, que, para deixarem de utilizar a entrada e caminho existente, em conjunto com os doadores abriram uma nova entrada para a parte do prédio que lhes foi doada.
VI - O abuso do direito pressupõe a existência do direito, exigindo-se, para merecer censura, que o excesso cometido seja manifesto, que constitua uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
VII – Um dos atos abusivos é o «venire contra factum proprium», em que incorre quem contradiz o seu próprio comportamento, sendo a tutela da confiança o fundamento da proibição do comportamento contraditório.
VIII – São pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto do «venire contra factum proprium»: a) a verificação de uma situação objetiva de confiança; b) o «investimento» na confiança e irreversibilidade desse «investimento»; c) a boa fé da contraparte que confiou.