I. A qualificação da natureza da posse do promitente comprador que, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de um bem obtém a tradição deste, não emerge do contrato promessa, que não tem, por regra, eficácia translativa, decorrendo, antes, do acordo negocial de entrega antecipada e da efetiva entrega do bem pelo promitente vendedor tendo em vista a antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo, pelo que, para tanto, impõe-se valorar, caso a caso, os termos e o conteúdo do negócio, as circunstâncias que o rodearam e as vicissitudes que se seguiram à sua celebração.
II. Assim, se dessa ponderação casuística resultar comprovada a intenção do promitente vendedor de transferir, desde logo, para o promitente comprador, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade, designadamente por o promitente comprador já ter pago a totalidade do preço ou por as partes, por razões específicas, não terem o propósito de realizar o contrato definitivo, impõe-se considerar o promitente comprador com tradição do imóvel como sendo um verdadeiro possuidor, o que determina, a seu favor, o início da contagem do prazo necessário para a verificação da usucapião, nos termos dos artigos 1251º, 1263º, al. b) e 1287º, todos do Código Civil.
III. A posse do promitente comprador sobre o bem entregue pelo promitente vendedor, iniciada como precária só é apta a conduzir à usucapião se, supervenientemente, se converter em posse em nome próprio mediante a inversão do título de posse, prevista no artigo 1265º, do Código Civil, que pressupõe que aquele torne diretamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía, através da prática de atos positivos, inequívocos e reveladores, a sua intenção de passar a atuar como titular do direito de propriedade.
IV. A posse iniciada na constância do casamento no regime de comunhão geral de bens e exercida por um dos elementos do casal sobre imóveis que, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda lhe foram entregues a título definitivo pelo promitente vendedor, considera-se exercida no interesse comum do casal, não fazendo qualquer sentido, no plano jurídico, distinguir os atos de posse levados a cabo por um e outro cônjuge ou diferenciar o animus com que cada um deles efetiva esse exercício.
V. Só assim não será, no caso de separação judicial de pessoas e bens, se após ser decretada a separação de bens, for feita prova da inversão do título de posse por parte do cônjuge que exerceu os atos materiais de posse em relação ao outro cônjuge, ou seja, de que levou ao conhecimento deste a sua intenção de atuar como titular exclusivo do direito, caso em que, a partir de então, consideram-se os atos de posse por ele praticados no seu exclusivo interesse.
VI. Não havendo posse exclusiva por parte do elemento do casal que praticou os atos materiais constitutivos do corpus, não pode haver usucapião em seu benefício, mas, antes, em benefício do casal, tal como resulta do artigo 1291º do Código Civil, que contendo a doutrina do artigo 511º do Código Civil de 1867, dispõe que «a usucapião por um compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores».
VII. Assim, tendo essa posse início na constância do casamento em regime de comunhão geral de bens e antes de decretada a separação de pessoas e bens, a mesma aproveita ao outro cônjuge e determina a aquisição dos bens, por usucapião, para o património comum do casal, ainda que o decurso do prazo da usucapião ocorra num momento posterior à separação de bens decretada e/ou à dissolução do casamento de ambos, de harmonia com o disposto nos artigos 1288º e 1317º, alínea c), ambos do Código Civil, que consideram como momento da aquisição da propriedade por usucapião o do início da posse.
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